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abril 6, 2020Aprovado pelo Senado nesta sexta-feira (3/4), o Projeto de Lei 1.179/2020, que suspende temporariamente regras do Direito Privado enquanto durar a epidemia do coronavírus no Brasil, protege, ainda que de forma insuficiente, locatários em um momento em que eles estarão mais fragilizados financeiramente. Por outro lado, interfere indevidamente em relações entre particulares e prejudica locadores. É o que avaliam especialistas ouvidos pela ConJur.
O PL proíbe, até 31 de dezembro de 2020, liminar de despejo em ações ajuizadas a partir de 20 de março, data estabelecida como marco inicial da pandemia no país.
Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, elogia a proibição de liminares de despejo, mas acredita que, num cenário de crise como o causado pela pandemia do coronavírus, seria preciso também suspender sentenças do tipo.
“A proibição de liminares de despejo é uma medida muito importante. A Lei 8.245/1991 prevê, no artigo 59, que a liminar nas ações de despejo deve ser concedida em 15 dias, independentemente de audiência para ouvir a parte contrária. É um procedimento bastante célere, cuja consequência é a desocupação imediata. Suspender a concessão de liminares é fundamental para que as pessoas possam continuar em suas casas em meio à pandemia. No entanto, diante de um cenário como esse seria preciso suspender não apenas as liminares, mas também as sentenças. Desabrigar pessoas neste momento, mesmo que de maneira não tão rápida, é contribuir para o acirramento das desigualdades sociais que foram esgarçadas com a pandemia”, avalia.
A professora opina que a suspensão de liminares de despejo não deveria valer apenas para ações movidas a partir de 20 de março, e sim para todos os processos que estivessem em andamento nesta data. Bianca avalia que as ações de reintegração de posse também deveriam ser paralisadas enquanto durar o estado de calamidade pública no país.
Por outro lado, o advogado Ulisses César Martins de Sousa, sócio do Ulisses Sousa Advogados Associados, entende que, ao buscar proteger os locatários, o PL 1.179/2020 pode acabar prejudicando os locadores.
“O projeto parte da premissa que o dono do imóvel possui uma posição jurídica privilegiada em relação ao inquilino. Contudo, nem sempre essa é a realidade. Em muitos casos o aluguel é a principal fonte de renda de algumas famílias. Será que essas famílias também não são merecedoras de atenção e proteção estatal?”.
Nessa linha, Rodrigo Ferrari Iaquinta, sócio coordenador do Departamento de Direito Imobiliário do BNZ Advogados, acredita que o projeto desequilibrou a relação entre locador e locatário, uma vez que suspendeu liminares de despejo sem comprovação da relação de causa e consequência entre a pandemia do coronavírus e descumprimentos contratuais. “A locação sempre é um contrato bilateral e o interesse de ambas as partes deve ser ponderado”.
“Fica claro que o PL traz em si boas intenções, mas é temerário, e merece cautela, quando o Estado passa a interferir de maneira mais invasiva nas relações privadas. O próprio ordenamento jurídico já possui institutos e elementos aplicáveis ao momento de crise que vivemos. Regulamentar demais pode criar travas às relações sociais e privadas”, afirma Iaquinta.
Carolina Xavier da Silveira Moreira, sócia da área contenciosa do Costa Tavares Paes Advogados, pensa que esse desequilíbrio ainda pode ser contornado. “Na Argentina, a suspensão do pagamento de locação e despejo é regra, mas há uma exceção: se a locação for importante para complemento de renda de idosos, o valor deve ser pago. Acho importante esse grãozinho de sal, porque você não pode só olhar o lado do locatário. Então, talvez seja necessária alguma regra mitigadora para tratar desse tema.”
Prescrição e decadência:
O PL 1.179/2020 impede ou suspende os prazos prescricionais e decadenciais da data de vigência da lei até 30 de outubro. A regra não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico.
Ulisses Sousa elogia a medida. “Tanto a prescrição quanto a decadência dão origem à extinção de um direito em decorrência da inércia do seu titular. Falar-se em inércia do titular de um direito, em uma época em que as pessoas estão privadas da possibilidade do livre exercício de tarefas cotidianas, e até mesmo o Judiciário tem restrições de funcionamento, seria algo sem sentido. Seria negar a ideia de que o direito é feito para ser realizado.”
A fixação de um marco inicial para aplicação das regras do projeto — 20 de março — é essencial para evitar alegações de caso fortuito ou força maior para obrigações vencidas antes daquela data, ressalta o advogado.
Ana Luisa Ferreira Pinto, professora assistente da PUC-SP e advogada no escritório XVV Advogados, também considera a proposta positiva.
“O texto aprovado no Senado, ainda que com a supressão de alguns pontos polêmicos, deu passo relevante para a criação de regras emergenciais e transitórias a disciplinarem questões da vida cotidiana dos brasileiros em tempos de crise aguda em razão da Covid-19. Destacam-se as regras para contratos comerciais, civil, agrários e consumeristas, além da solução dada à urgente questão da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LPDG). Em tempos excepcionais, o Senado, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça mostraram-se importantes agentes na articulação de proposta de resposta concreta para questões de Direito Privado no país.”
Feito a várias mãos
O PL 1.179/2020 foi apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG). O texto votado no Senado baseou-se no parecer da senadora Simone Tebet (MDB). Ela apontou a colaboração dos juristas. A inspiração foi compartilhada com o presidente do Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça, ministro Dias Toffoli.
Ao lado do ministro Antonio Carlos Ferreira e do conselheiro do CNMP e colunista da ConJur Otavio Luiz Rodrigues Jr., Anastasia e Toffoli basearam as medidas propostas na célebre Lei Faillot, de 21 de janeiro de 1918, que foi apresentada pelo deputado que lhe deu nome. A Lei Failliot criou regras excepcionais para a aplicação da teoria da imprevisão no Direito francês.
Também colaboraram para a redação do projeto os juristas Fernando Campos Scaff, Paula Forgioni, Marcelo von Adamek e Francisco Satyro, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; José Manoel de Arruda Alvim Netto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Rodrigo Xavier Leonardo, da Universidade Federal do Paraná, e Rafael Peteffi da Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina, além dos advogados Roberta Rangel e Gabriel Nogueira Dias.
Fonte: Conjur