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abril 1, 2020A negociação direta entre empregado e empregador e/ou entre os sindicatos de trabalhadores e de empresas torna-se o norte para a prevenção e a gestão dos inúmeros e complexos conflitos trabalhistas que surgem a cada dia de avanço da crise epidemiológica.
A negociação direta entre empregado e empregador e/ou entre os sindicatos de trabalhadores e de empresas torna-se o norte para a prevenção e a gestão dos inúmeros e complexos conflitos trabalhistas que surgem a cada dia de avanço da crise epidemiológica.
Negociação, manutenção do emprego e a MP 927/20
Uma das primeiras medidas trabalhistas previstas pela Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, norma que regulamenta as relações de trabalho durante o estado de calamidade pública, estipula que trabalhadores e empregadores poderão celebrar acordos individuais escritos para garantir a manutenção dos vínculos empregatícios (art. 2º). A regra também prevê que, respeitada a Constituição Federal, o acordo individual escrito preponderará sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais.
Fica nítido o recurso à negociação direta entre empregado e empregador para minimizar os efeitos da pandemia no mundo do trabalho. Muitas são (e serão) as dúvidas sobre o alcance do poder negocial das partes, mas o fato é que o poder público, que já havia adotado a preponderância do negociado sobre o legislado como mola inspiradora da reforma trabalhista de 2017, vê a negociação direta como um dos mecanismos de urgência para preservar empregos em tempos de crise.
MP 927/20 e outras condições negociáveis
A MP 927/20 também prevê a negociação entre trabalhadores e empregadores para a antecipação de períodos futuros de férias (art. 6º, §3º). De acordo com a regra, também por meio de acordo individual escrito, empregado e empregador poderão acordar a fruição de períodos futuros de férias. Em outras palavras, torna-se possível antecipar a concessão de períodos aquisitivos de férias que ainda não se completaram. Vale destacar que a MP também prevê a antecipação do gozo de feriados, condicionando a precipitação da fruição dos feriados religiosos à concordância do empregado, manifestada em acordo individual escrito.
Também fica autorizada pelo texto da MP a adoção de medidas como a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para compensação futura, em até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Outra medida adotada pela MP 927/20 destina-se às condições especiais de trabalho nos estabelecimentos de saúde. Também por meio de acordo individual escrito, tais estabelecimentos poderão, independentemente da salubridade ou não do ambiente, prorrogar a jornada de trabalho e adotar escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada (o período entre o fim de uma jornada e o início de outra), sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado.
MP 927/20 e matérias não negociáveis
Não se pode deixar de notar que a MP 927/20 afastou acordos individuais e coletivos em pontos sensíveis ao interesse público. Assim é que, por exemplo, o empregador pode converter o regime de trabalho presencial para o trabalho a distância (ex. teletrabalho ou o trabalho remoto), ou mesmo determinar o retorno ao regime de trabalho presencial (art. 4º). O objetivo da norma é justamente possibilitar a adaptação do tipo de trabalho às medidas restritivas de locomoção e de isolamento e distanciamento sociais. Isso não significa, contudo, que empregado e empregador não possam negociar o tipo de trabalho, mas apenas que, fracassada a negociação, caberá ao empregador determinar o local de onde o trabalho será prestado.
Também no tema afeto à negociação, chamou a atenção a repercussão do controvertido art. 18 da MP 927/20 – revogado rapidamente pela MP 928/20 – o qual previa a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, independentemente de norma coletiva (acordo ou convenção). As manifestações que se iniciaram horas depois da publicação da MP 927/20 foram uníssonas em apontar o desequilíbrio de tratamento e o desamparo dos trabalhadores, fatores que poderiam ter sido suavizados caso, dentre outras, o texto tivesse condicionado a medida à negociação coletiva.
Quatro orientações para negociar condições de trabalho
É chegada a hora e a vez da negociação colaborativa neste momento de comunhão de esforços para combater o novo coronavírus. Cabe exortar empregados, empregadores e sindicatos a negociar colaborativamente e com base em princípios e critérios objetivos.
1 . Separe as pessoas dos problemas
Significa dizer que, antes de tudo, deve-se separar as pessoas dos problemas. O problema da atualidade não é a contraparte da relação do trabalho. Culpar empregados, empregadores e sindicatos pelo que está acontecendo pode tirar o foco do problema. O inimigo, hoje, é comum aos atores sociais e tem nome. Logo, uma negociação competitiva, na qual empregado e empregador veem um ao outro como sendo o problema, pouco ou nada contribuirá para prevenir ou administrar o conflito. Patrões e empregados devem buscar negociar “side-by-side”, e não “face-to-face”, principalmente se estiverem realmente interessados em preservar as relações de trabalho e a atividade econômica.
2. Foque nos interesses
Outro princípio do método Harvard de negociação que pode contribuir para empregados, empregadores e sindicatos negociarem mais efetivamente é o do foco nos interesses, não nas posições. É evidente que há interesses imediatos de lado a lado a serem atendidos. A maior parte da população brasileira não conta com economias para períodos críticos e muitas empresas não têm condições de sobreviver a períodos curtos de desaceleração econômica. Todos devem procurar ir além das posições para tentar resguardar os interesses. O que mais interessa no presente e no futuro próximo? Manter empregos ou manter salários? Seguir trabalhando em condições de risco à saúde sem equipamentos de segurança? Submeter empregados a condições de contágio ou suspender as atividades? São decisões difíceis de tomar, pois, envolvem preocupações, desejos, necessidades, motivações e prioridades divergentes. Identificar os interesses próprios e tentar se colocar na posição do outro para investigar quais são as necessidades da contraparte pode evitar soluções drásticas, como o fim da relação de emprego.
3. Crie opções de ganho mútuo
Negociar colaborativamente também é pensar criativamente. Ao conceber alternativas, é fundamental que trabalhadores, empregadores e seus sindicatos representativos busquem opções de ganho mútuo: as chamadas soluções ganha-ganha (win-win). Para tanto, todos devem se esforçar para compreender quais são as dificuldades que o outro lado está passando. A ação de uma parte de pensar somente em seus problemas pode inviabilizar a manutenção das relações de trabalho ou gerar conflitos que futuramente serão revisitados na judicialização. O mesmo pode acontecer se as opções apresentadas pelo outro lado forem submetidas, desde logo, a julgamento. O ideal é colocar todas as cartas sobre a mesa de negociação, escutar ativamente o outro lado e só depois analisar os seus desdobramentos das alternativas, de forma a possibilitar a tomada de uma decisão informada sobre a adoção de uma medida.
4. Adote Critérios objetivos para as soluções
Por fim, é extremamente recomendável que trabalhadores, empresas e sindicatos busquem adotar critérios objetivos para negociar. O extremismo dos debates políticos e das convicções pessoais sobre como a pandemia deveria ser tratada devem ceder espaço para as recomendações das autoridades competentes em matéria de saúde e segurança, inclusive e especialmente as do trabalho. Com isso, evita-se o subjetivismo e o processo de negociação torna-se mais eficiente e sólido, o que será importante mais à frente para o caso de contestação judicial das medidas adotadas. Uma solução baseada no que a maioria das instituições públicas, das empresas privadas, das autoridades médicas, etc. vêm praticando e recomendando pode ser o caminho mais seguro para a negociação.
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*Fernando Hoffmann é juiz Federal do Trabalho, coordenador pedagógico da Escola Judicial do TRT/PR, mestre em Resolução de Disputas pela Pepperdine University (EUA).
Fonte: Migalhas