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outubro 27, 2020É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial.
Trânsito de Belo Horizonte é fiscalizado por empresa de economia mista integrante da administração pública indireta
Essa foi a tese fixada pelo Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal, ao reformar decisão do Superior Tribunal de Justiça para permitir que a Empresa de Transporte de Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) possa aplicar multas de trânsito na capital mineira.
Em 2009, o STJ havia entendido que somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, já que os de sanção derivam do poder de coerção do Poder Público, este indelegável às pessoas jurídicas de direito privado.
“É temerário afirmar que o trânsito de uma metrópole pode ser considerado atividade econômica ou empreendimento”, disse o ministro Herman Benjamin, da 2ª Turma do STJ, na ocasião.
No STF, prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, segundo o qual a tese da indelegabilidade do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado não possui caráter absoluto e pode ser ultrapassada quando se tratar de entidades da administração pública indireta que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado de capital social majoritariamente público, sem o objetivo de lucro, em regime não concorrencial.
É o caso da BHTrans, cuja composição acionária pertence 98% à Prefeitura de Belo Horizonte, sendo os outros 2% distribuídos entre a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), que é uma autarquia municipal, e a Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel), esta de economia mista dependente e de capital fechado.
Indelegabilidade do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado não possui caráter absoluto, disse ministro Fux
Rosinei Coutinho/STF
Critérios
De acordo o ministro Fux, a indelegabilidade do poder de polícia ao ente de direito privado se baseia em quatro pilares argumentativos, nenhum dos quais se aplica ao caso da BHTrans.
Primeiro porque a restrição constitucional à descentralização do desempenho de atividades relacionadas a serviços públicos alude apenas, exatamente, serviços públicos, deixando de fora a delegação da atividade de polícia administrativa.
Segundo, não se sustenta a tese de que a estabilidade de que goza o servidor público é requisito indispensável ao exercício do poder de polícia. Nem todos possuem essa prerrogativa, o que não deslegitima a prática atos derivados do poder de polícia pelos mesmos.
Terceiro, ainda que a coercibilidade seja um dos atributos do poder de polícia caracterizado pela aptidão que o ato de polícia possui de criar unilateralmente uma obrigação a ser adimplida pelo seu destinatário, em se tratando do exercício do poder de polícia em relação a outros valores, a exemplo da ordenação do trânsito, não há exclusividade constitucional consagrada.
E, finalmente, o ministro Fux rechaçou incompatibilidade da função de polícia com a finalidade lucrativa, sob o receio da chamada “indústria da multa”. “A atuação típica do Estado não se dirige precipuamente ao lucro. É dizer, se a entidade exerce função pública típica, a obtenção de lucro não é o seu fim principal”, apontou.
Esse entendimento foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
Órgãos executivos de trânsito não se confundem com os órgão de segurança pública, destacou ministro Gilmar Mendes
Gervásio Baptista/STF
“Os órgãos ou entidades executivos de trânsito não se confundem com os órgão de segurança pública, tampouco há qualquer obrigatoriedade de aqueles serem integrantes da administração pública direta”, destacou o ministro Gilmar Mendes, em voto colocado no sistema.
“Ora, se ao particular é possível, em hipóteses específicas, o exercício do poder de polícia, com muito mais razão pode uma sociedade de economia mista fiscalizar o trânsito e aplicar multa aos que desobedeceram à norma, desde que não haja finalidade de lucro”, concordou o ministro Alexandre de Moraes.
Divergência
Ficaram vencidos os ministros Luiz Edson Fachin e Marco Aurélio Mello. Para Fachin, por se tratar de limitações ao exercício de direitos e liberdades pelos cidadãos, é necessário que todos os elementos referentes às sanções venham previstos em lei formal, inclusive quanto a delegação do poder sancionatório para aplicação de multas.
Delegação só poderia ocorrer mediante lei específica que a autorizasse, segundo Fachin
Carlos Moura/STF
Com isso, incluiu essa ressalva. É possível a delegação da atividade de fiscalização e aplicação de multas de trânsito a sociedades de economia mista, por meio da regular descentralização administrativa, mas desde que todos os seus contornos estejam previstos por lei.
Já o decano do STF classificou a atribuição da competência de aplicar multas à sociedade de economia mista como “passo demasiado largo, que não encontra amparo no ditame maior”. E citou o ministro Sepúlveda Pertence: “a onda neoliberal, ou qual nome tenha, ainda não chegou ao ponto de privatizar o poder de polícia”.
Fonte: Conjur